segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Sonho e a Tarefa

Irina sai do limbo pra dar um oi. Já tava devendo esse texto há tempos :)


Meu inimigo em frente grunhiu e, novamente, tentou soltar-se da sua prisão. Em vão. Eu sabia que ele não venceria os grilhões que eu havia preparado. Encarei-o, olhando fundo nos seus olhos vermelhos - nada havia dentro deles além de crueldade fria e da vontade louca de me matar se pudesse.

Cuspi no chão e voltei a me sentar na rocha, distraindo-me do inimigo preso logo em frente na clareira. Respirei fundo e recolhi minha cimitarra. A lâmina de aço frio estava manchada com sangue seco e sujeira, eu precisava limpá-la. Deveria começar logo.

Admirei a lâmina de metal azulado por um momento, enquanto ela captava a luz do sol nos desenhos que decoravam seu comprimento e lembrei do sonho que me levara até ali. Essa era a minha missão, a minha necessidade. Nesse momento, não precisava mais dos chás ilusórios de El Kas que já haviam me ajudado a achar o caminho anteriormente.

Respirei fundo e fechei os olhos, lembrando do sonho.


"A armadura que eu usava era de uma qualidade superior à que eu estava acostumada. Ainda não estava amassada, nem suja, e seus elos polidos ainda mantinham aquele brilho que só o metal recém-forjado tem. Não conhecia a minha capa e nem as insígnias que eu portava me pareciam familiares - minha única conhecida, a única velha amiga naquele lugar era a minha cimitarra, a mesma cimitarra que eu encontrei na escuridão das montanhas.

Uma batalha desenrolava-se ao meu redor, com os meus exércitos combatendo hordas de demônios. Eu sabia que os exércitos eram meus - sabia que eu os comandava. Eu sabia que na minha posição de líder, eu mataria com eles, e morreria por eles se necessário. Não me importava em morrer, desde que arrastasse o maior número possível de demônios comigo.

Foi então que eu vi, no meio do campo de batalha, um monstro gigantesco, que emanava uma aura maligna e negra enquanto suas asas enormes jogavam sombras sobre o campo de batalha, iluminadas pelo fogo das suas armas. Aquele Balor parecia também um líder de suas hordas e somente a sua visão despertou em mim uma vontade insana de partir contra ele.

Eu lembro-me de gritar em abissal, desafiando-o, enquanto atravessava o campo de batalha. Lembro-me de erguer a cimitarra sobre a minha cabeça, preparando-me para correr e transpassá-lo com a minha lâmina.

E então tudo parou.

Minha lâmina ficou parada, erguida, enquanto eu segurava o punho da arma com as duas mãos. Logo, eu percebi que eu era quem estava parada - que a batalha desenrolava-se ao meu redor em ritmo acelerado, num tempo que já não era mais o meu. E eu vi então o que parava a minha cimitarra, vi aquele que me parava.

Logo, eu estava presa nos olhos sobrenaturais da criatura alta e musculosa à minha frente, que segurava a lâmina com suas duas mãos de pele verde. Suas asas emplumadas e claras não conjuravam as mesmas sombras das asas de couro do Balor que eu perseguia antes. O anjo me parou, e não sei dizer por quanto tempo nós ficamos ali, ambos segurando a cimitarra. Encarar aqueles olhos foi como olhar também para dentro de mim mesma, e logo eu sabia o que deveria ser feito."


Três dias. Por três dias eu deveria enfrentá-lo. Por três dias nós deveríamos lutar, conhecendo um o ponto fraco do outro, até que no terceiro dia só um dos dois - aquele que fosse digno da sobrevivência - deixaria a clareira. Isso era o que devia ser feito para que aquela cimitarra se tornasse aquilo que ela estava destinada a ser - para que eu também me tornasse aquilo que um dia eu precisaria ser.

Meu oponente, claro, não se mostrou tão colaborativo a princípio. Tive que caçá-lo e prendê-lo, e só assim eu o obriguei a tomar parte daquilo. Não importava. Não era a sua vontade que eu queria, mas o desafio que ele representava. Era do sangue dele que eu precisava.

Limpei a crosta de sangue da minha cimitarra e poli a lâmina de forma mecânica, enquanto encarava os olhos vermelhos e cruéis do enorme primata à minha frente. A respiração dele era pesada, ruidosa e da mesmo na distância em que eu me encontrava podia perceber o quão afiadas eram as presas que se projetavam para fora da sua boca.

Um Bar'lgura, a mesma besta que destruíra minhas possibilidades de ter tido uma família enquanto eu ainda estava no ventre da minha mãe. A criatura sobre a qual tanto eu ouvira falar que me motivara a escolher os demônios como meu objeto de caça. Um ser cuja simples visão despertava em mim os instintos assassinos mais frios que eu pudesse ter.

Levantei. Os olhos vermelhos seguiam todos os meus movimentos.

- Hoje é o último dia. - disse, em Abissal. Um brilho de compreensão (ou seria mais ódio ainda?) iluminou a face do meu inimigo. - Agora lutaremos até o final. Hoje você pode conquistar sua liberdade, no entanto, eu não permitirei que saia vivo daqui.

Nenhuma palavra por parte do Bar'lgura, mas eu sabia que ele havia entendido. Usei minha faca de caça para cortar a corda que eu havia colocado como mecanismo de segurança para deixar as correntes que prendiam mãos e pés do meu oponente mais livres e virei-me rapidamente para vê-lo correr em minha direção. Desviei no último momento, esquivando, porém o golpe que eu tentei acertar usando meu impulso foi em vão.

O demônio virou-se, pulando na minha direção, os braços estendidos. Eu sabia que se ele conseguisse me agarrar, um aperto seria suficiente para quebrar meus ossos. Afastei-me, buscando um ponto livre para tentar golpeá-lo. Consegui acertar um golpe fundo na lateral do seu braço e o urro de agonia que ouvi me encheu de prazer.

No entanto, ele sumiu. Eu sabia que Bar'lguras eram demônios que atacavam sozinhos, e gostavam de armar emboscadas. Pior - eles podiam ficar invisíveis e ver invisibilidade também. Um tanto desafiador.

Limpei meu suor. Eu podia esperar um golpe por qualquer direção, então só podia ouvir e tentar observar algum movimento que me orientasse. Nada.

- Onde você está? - gritei, por fim. - Talvez você não esteja mesmo à minha altura, se prefere se esconder a enfrentar-me, covarde!

Eu ri. Logo, eu pude sentir o deslocamento de ar vindo pela esquerda. Apesar de saber que ele vinha por lá, não fui rápida o suficiente para evitar o golpe que ele deu com o dorso da mão e que me jogou para longe. Senti o gosto de sangue na minha boca e isso me enfureceu. Ainda no chão, tive que rolar, enquanto o demônio voltava para cima de mim. Aproveitei nossa diferença de tamanho para impulsionar-me por entre as suas pernas, desferindo um golpe na parte interna do seu joelho que o fez cair.

Levantei, cuspindo o sangue que se acumulava na minha boca. Sangue jorrava da perna ferida do Bar'Lgura. Ainda assim, a criatura tentava levantar-se, debatendo-se, mesmo que eu tivesse cortado fundo suficiente para romper os tendões e desestabilizar a articulação.

Rodeei meu inimigo, olhando-o. Lembrei do sonho, e pensei no pai que eu jamais havia conhecido, morto por uma criatura semelhante àquela. Lembrei da minha missão e olhei a cimitarra. Era a vida dele ou a minha. Seria a vida dele - eu estava determinada.

Ajoelhei me a uns seis metros de distância, levando a minha mão ao chão. Fechei os olhos, sentindo a energia de Obad-Hai ser transmitida entre eu e a natureza. As ervas daninhas que cresciam ali brilharam, esverdeadas, uma luz que subiu pelo meu braço antes de descer, espalhando-se em círculos. Logo, a vegetação crescia, brilhando, envolvendo o Bar'lgura numa constrição apertada. Ele grunhiu de ódio enquanto lutava para livrar-se das plantas que haviam crescido até a altura dos seus cotovelos e ao longo do quadril, já que ele estava ajoelhado.

- Eu disse que só um de nós sairia daqui hoje, demônio. E não lamento o que estou prestes a fazer.

Ergui minha cimitarra e corri. Golpeei a região musculosa da lateral do pescoço, deixando a lâmina cair com todo o ódio que eu havia sentido nos últimos meses - o encontro com os irmãos, nossa viagem pelas profundezas, a morte de Adron, de Chantal, a violação do corpo de Badin, os anos que passaram sem que soubéssemos. Tudo isso num único golpe.

Senti a resistência dos músculos do pescoço, da traquéia esmigalhando-se e a maciez do disco entre as suas vértebras. Atravessei-os todos, decapitando meu inimigo. Ainda que o meu movimento pareça ter durado uma eternidade, foi rápido. Logo eu estava coberta do sangue escuro e fétido do demônio.

Caí de joelhos, cravando a minha cimitarra na cabeça separada. Estava feito, eu tinha cumprido o que me tinha sido incumbido.

Olhei minha lâmina e sorri. Por um minuto, pareceu a mim que ela brilhou, como que se estivesse viva, soubesse que eu havia vencido e sorrisse para mim.

Um comentário:

Pati disse...

Pensa alguem inteira arrepiada o.o
FOOODA!