segunda-feira, 7 de maio de 2012

Valarion Miniaron, o “paladino” do Caos.


“Ei, Comen, conta uma história pra gente?”
“Claro, criança, que tal a história do grande Oropaldir, o Abençoado?”
“Nãããão. Essa é sem graça.”
“Então talvez vocês prefiram que eu lhes conte como o Leão de Brunível resgatou sua princesa das mãos do tirano Astalar”
“Blééé...”
“Hum... então talvez vocês tenha interesse na história do infame Valarion Miniaron”
“ISSO!”
“Mas eu já contei essa história umas 374 vezes...”
“Aaaah. Conta de novo”
“Certo, certo...”

Essa história começa muito, muito tempo atrás. E, pra vocês que são novos por aqui, eu vou ter que explicar um pouco sobre os Miniaron. Os Miniaron eram um grupo diferente de elfos. Criados entre neve e gelo, eram um povo frio com traços diferentes e costumes estranhos. Durante muito tempo, a cidade deles Icerock, era apenas mais uma vassala do reino élfico, mas o pai do Valarion tinha outros planos. Apesar de a Mini-rebelião ser um história fascinante, eu vou deixar ela para outro dia.  O que vocês precisam saber é o seguinte. Deu tudo errado. Os Miniaron foram derrotados e tiveram que enviar seu primogênito para morar entre a realeza élfica, como refém.

O pequeno Valarion foi muito bem cuidado, não se enganem. Foi treinado no uso da espada e do arco, como todo bom elfo, e até ingressou na Real Academia Militar como era próprio ao filho de um grande senhor. Contudo, como vocês bem sabem, ele nunca foi um jovem ordeiro. Foi assoitado umas quantas vezes por chegar bêbado nos treinos matutinos e umas tantas outras por nem chegar. Quando ele foi pego... se divertindo... com a filha do capitão (e na própria cama dele) a Realeza teve um dilema nas mãos. A pena para aquilo era a morte, mas eles não podiam perder um refém tão precioso e arriscar uma nova rebelião.

Assim, eles o enviaram para um novo “esquadrão” experimental que tinha sido criado recentemente: a Tropa de Contenção Urbana. O grupo foi formado para servir como guarda dentro da cidade e seus integrantes recebiam um treinamento não-ortodoxo voltado para combate em becos estreitos e casas noturnas, onde até os soldados mais experientes encontravam problemas.

Valarion, inexplicavelmente, se destacou como um dos melhores do grupo, subindo rapidamente no escalão militar. Alguns diziam que ele deve agradecer ao seu nascimento elevado, mas a verdade é que ele era muito esperto para os palermas que estavam sendo mandados para o TCU. Em pouco tempo ele já conhecia os maiores baderneiros da cidade e tinha virado amigo deles. Ao invés de cuidar dos problemas, ele se tornou o maior deles e deixou o resto dos rufiões em cheque.

Obviamente que isso não foi bem visto pelos superiores ou pela realeza. Um capitão que passa a noite bebendo e a manhã chamando o Raul, não é exatamente boa propaganda. Além disso, algumas más línguas não gostavam de ver um possível senhor de Icerock como um membro de elite do TCU. Não demorou muito e nosso jovem Valarion passou a ser vítima de estranhos “atentados” das gangues da cidade. Na verdade, a profissão dele se mostrou um ótimo meio para se livrar de um problema e conseguir a simpatia do velho Renduvel Miniaron. Vocês são muitos novos para entenderem as maquinações da corte, então não vou entrar em detalhes.

Acontece que nosso jovem Valarion não era bobo e acabou sendo o mais beneficiado disso. Ele já era amigos dos capangas que foram contratados para matá-lo e os usou para forjar a sua morte. Afinal, um homem morto não tem lei e pode fazer o que bem entender. Não foi difícil simular uma luta sobre a ponte central da cidade e forjar um corpo para aparecer boiando nas margens do rio. Depois disso ele só precisou viajar para longe (bem longe) e aproveitar uma vida livre de grilhões.

Vocês todos sabem que ele foi parar em Abstein e lá ele encontrou outros grandes aventureiros como a bela Evey, a estranha Silman e Morgan, o Selvagem. Essa parte da história fica pra amanhã, porque agora eu estou com sede e vocês tem que voltar ao ganha-pão de vocês...

Alihanna de Pelor

Pelor.

Desde as mais remotas memórias da minha infância, sempre o meu pai. Sempre o Sol.

Não conheci meus pais biológicos e não sei o que aconteceu com eles. Sei que eu fui mais uma órfã deixada às portas do templo de Pelor para ser criada pelos Sacerdotes do Sol. Uma escolha apropriada, já que ainda bebê meus traços demonstravam que eu não era normal - algo em mim, ainda que talvez fosse uma pequena parte, não era deste plano. Meus olhos por si só denunciavam o fato: olhos sem íris nem pupilas, globos dourados que remetiam aos Anjos Solares.

Desta forma, pareceu adequado que eu fosse criada no templo de Pelor. Mais que isso, pareceu adequado que não só eu recebesse educação e um ofício para que eu pudesse ir embora quando me tornasse adulta. Não. Alguém como eu só poderia ter chegado àquele templo por algum desígnio divino. Os clérigos de Pelor interpretaram que a minha presença ali era um claro sinal de que eu deveria ser educada e treinada para o sacerdócio e para a cura em nome do Sol.

Até a minha primeira infância, eu acreditei piamente nisso. Vivia no templo, os ensinamentos dos mestres eram a minha vida, fui educada nos primeiros mistérios de Pelor. Quando não estava estudando ou aprimorando minhas habilidades, eu meditava - os Mestres diziam que eu deveria aprender a controlar a chama das emoções em meu coração se quisesse encontrar a serenidade. Eles diziam que se eu encontrasse a serenidade, estaria mais próxima do deus.

E eu sempre busquei a harmonia trazida pela meditação, ainda que fosse difícil, essencialmente na infância. No início da minha adolescência, era permitido que eu deixasse o templo para meditar em locais diferentes - bosques, fazendas, vilarejos, campinas. Os mestres diziam que eu devia aprender a controlar minha mente independente de onde eu estivesse, e que devia aprender a encontrar a luz de Pelor em todos os lugares. Assim eu fazia.

Numa dessas vezes, eu fui à um moinho abandonado. Procurei um lugar tranquilo e sentei-me para meditar. Não tardou para que a minha concentração fosse interrompida pelos sons rudes de uma discussão. Decidi procurar para ver o que acontecia. Não muito perto dali, dois rapazes humanos (pouco mais velhos do que eu) surravam uma criança esfarrapada, que pedia misericórdia. O menino magro e desarmado não era páreo para os dois grandalhões que usavam bastões para espancá-lo até a morte.

Não pude olhar aquilo e manter-me neutra. Um calor que eu nunca havia sentido antes tomou conta de mim, e a única coisa na qual eu pude pensar foi que a criança não podia ficar desprotegida. Era a minha obrigação defendê-la.

Apaguei.


Quando eu acordei, estava num ambiente luminoso. A sala com altas colunas de mármore branco e resplandecente lembrava vagamente o Salão Maior do templo de Pelor, porém parecia... mais. Não sei dizer. Levantei do chão, sentindo-me ofuscada pela  forte luz do sol que entrava pelos vãos. Pude ver ao longe, parado no altar, uma silhueta. Presumi que aquele era o Sumo Sacerdote, porém não podia ver-lhe o rosto devido à claridade branca e dourada. E no entanto, algo em meu coração dizia que aquele não era o sumo sacerdote. Eu sabia que o único motivo para eu ter sido levada até o maior dos mestres era porque eu tinha que ser advertida por falhar na minha meditação.

- Senhor, - eu disse - Desculpa-me. Eu falhei. Não fui capaz de manter minha concentração conforme foi designado.

- Não te preocupas, minha criança. - Ele disse. Não era a voz do Sumo Sacerdote. Era uma voz mais imponente e profunda, que tocou fundo em minha alma. Ouvi-la me deu vontade de chorar, tamanha a alegria e beleza que ela trazia para minha alma.

- Mas eu falhei, meu senhor. Falhei na minha meditação. Como posso estar com Pelor se não me concentro na meditação?

Não pude ver a expressão do estranho, mas senti que ele sorria. O sorriso dele aqueceu minha alma.

- Existem várias formas de encontrar teu deus, minha criança.

- Não compreendo.


- Quando enches tua alma de bondade e luz e amplifica tais sentimentos com a tua meditação, então aí está Pelor. Quando usa tuas mãos para curar os doentes, aí está Pelor. Quando levas a luz da esperança onde há o caos e a escuridão, aí está Pelor. Quando tu Quando tu demonstras gentileza, misericórdia e compaixão para aqueles que estão ao teu redor, então aí está Pelor. Quando tu ergues teu braço para derrubar um corrupto, aí está Pelor.

Ele desceu os degraus do altar e eu comecei a visualizar os traços do estranho. Ele era um homem alto e idoso, mais idoso ainda que os sacerdotes anciãos. A barba e os cabelos eram longos e dourados, assim como os olhos, brilhantes e poderosos. E ainda que ele vestisse um robe longo e simples de tecido branco, tudo nele transparecia realeza.

Não. Transparecia mais do que realeza. De repente eu soube quem ele era. Caí de joelhos.

- Quando tu, mesmo em desvantagem, levantas para defender um fraco, aí então está Pelor. Não foi a ira cega que guiou teu corpo, criança. Foi o calor da minha justiça.

- Senhor, eu... não sei o que dizer.


- Não digas. - Pelor respondeu. - Sinta. Existem várias maneiras de servir, e nenhuma delas é mais ou menos digna que as outras. Somos todos servos, criança. Todos nós estamos aqui para servir ao bem e para sermos instrumentos para a sua realização.

- Eu quero servir, meu senhor. Quero servir aos vossos desígnios, quero ser instrumento para que seja feita a vossa vontade.


- E assim será, criança. Porém não através da meditação e da clausura num templo. Tu servirás ao meus desígnios sendo um braço forte na minha luta contra o mau. Tu juras, Alihanna, defender os oprimidos e lutar para ser a luz na escuridão? Juras que a tua espada sempre estará à disposição daqueles que são bons e que a sua dedicação estará sempre em servir aqueles que de ti precisarem? Jura ser honesta e humilde, sempre verdadeira e sempre leal aos meus princípios.

- Eu juro, meu senhor. - Disse, ainda de joelhos no mármore branco. - Juro com toda a minha alma.

Pelor adiantou-se, ajoelhou à minha frente e tocou-me próximo do coração. Senti meu peito aquecer e queimar, ainda que eu não sentisse a dor da queimadura.

- Então que assim seja, Alihanna. Vá, volte e torne-se um instrumento da minha vontade.


Eu abri os olhos e estava no meu catre de volta ao templo. Eu respirava fundo e rápido, surpresa. Aquilo teria sido um sonho? Meu peito ainda estava quente no lugar onde Pelor havia me tocado. Abri a túnica para encontrar ali uma queimadura cicatrizada no símbolo do deus do sol. Quando olhei em volta, o sumo sacerdote estava sentado próximo.

- Como eu vim parar aqui?

- Você está no templo. Esteve dormindo, Alihanna. Dormiu durante quinze dias. - ele respondeu. - Eu esperei. Queria estar aqui quando você acordasse.
Cocei a cabeça. Minhas últimas lembranças, as mais nítidas, eram aquelas junto de Pelor. Forcei minha mente até lembrar do moinho, ou do pouco que eu sabia. - Eu estava meditando quando ouvi aquela criança gritar, os dois grandalhões a surravam, eles iriam matá-la...

O Sumo Sacerdote me interrompeu. - Você jogou-se sozinha e desarmada contra dois rapazes mais velhos que você e armados com bordões, criança. E, de uma forma que nenhum de nós pode explicar, conseguiu subestimá-los. Talvez você os tivesse matado, caso o acólito Raynard não estivesse por perto, tivesse ouvido os sons da briga e apartado tudo aquilo. Diga-me, Alihanna: você treinou esses movimentos de luta sozinha? Por acaso esteve brigando sem que me eu soubesse?

- Não mestre, eu jamais faria isso. - respondi - Mas também não sei explicar o que eu fiz. Quando eu percebi, meus pensamentos não estavam mais lá. Não lembro de nada disso.

Contei meu sonho ao Sumo Sacerdote, em todos os detalhes, e terminei mostrando a marca de queimadura sobre o meu peito. Ele ouviu sem demonstrar expressão nenhuma, assentindo sempre. Quando eu terminei minha narrativa, tudo que ele disse foi um "Compreendo." E deixou-me sozinha. Segui minha rotina por alguns dias e descobri logo que não saíra incólume da briga. Descobri que tinha tido uma concussão e que minha cabeça ainda latejava, e que meu punho direito estava quebrado.

Dez dias depois do meu despertar, fui chamada à presença do Sumo Sacerdote. Ele me aguardava no Grande Salão do templo, porém não estava só. Eu não conhecia o cavaleiro que estava ao seu lado, porém pressentia a aura de poder e nobreza que dele emanava.

- Alihanna, este é Galanor, o Dourado. Ele é um Paladino de Pelor. Eu entrei em contato quando você contou sobre a sua revelação, e ele chegou. Está claro que não é aqui que você deve servir ao Radiante, portanto, você deve seguir e acompanhar Galanor como escudeira. Ele lhe treinará e educará até que você esteja pronta para servir à Pelor por conta própria.

E assim foi. Sir Galanor levou-me com ele e eu fui sua escudeira durante anos. Através dele aprendi a usar a espada e o arco. Aprendi a detectar e combater o mal e aprendi a curar maldições e doenças. Aprendi meu código de honra e conduta. Aprendi um caminho diferente para servir ao meu deus, e estar ali, em combate direto com as forças da escuridão, encheu-me de certeza de que aquele era o propósito da minha vida.

Quando Galanor partiu desta vida, deixou-me seus pertences. Dentre eles, o mais importante e poderoso foi a sua espada, a Holy Avenger, a Vingadora Sagrada, desespero dos malignos.

E aqui eu estou. Onde eu puder ser a luz que rompe a escuridão, irradiando o poder e o calor do Sol, então lá eu estarei.

E que a luz de Pelor ilumine sempre o seu caminho.