
Fonte: Oh-Magod
Fraëa estava sentada num dos galhos mais baixos e mais grossos da aveleira. Seu semblante era calmo, apesar das notícias que recebera de Kas. Distraidamente, ditava as últimas histórias para a pena mágica que escrevia em seu diário. Esta pena havia sido um presente de Emel, para que a elfa pudesse registrar todas as histórias que ela quisesse de uma forma que os outros pudessem ler e que ela pudesse consultar quando quisesse.
Uma suave brisa soprava e fazia com que uma mecha de cabelo insistente se desprendesse de seu cabelo e lhe fizesse cócegas no rosto. Ela estava bem consciente do silêncio barulhento em que se encontrava. As folhas da aveleira farfalhavam ao roçarem umas nas outras impulsionadas pelo vento. O capim baixo que crescia ao redor da imponente árvore sussurrava delicadamente e os gravetos e folhas secas estalavam no sol. Nada disso a perturbava. Por dentro, porém, seu coração estava apertado. Já fazia quase um ano desde a última vez que havia visto o Pequeno Elfo e mais de seis meses desde as últimas notícias que Kas havia lhe enviado e elas, apesar de boas notícias, não eram notícias agradáveis. Pois, por vitoriosos que eles fossem, batalhas ainda eram sangrentas e Fraëa se preocupava com a segurança dele e de seus amigos.
Fraëa acariciou o ventre, imaginando se o pequeno ser que ali se encontrava seria um pequeno elfo ou uma pequena elfa se desenvolvendo e se preparando para o mundo hostil e cruel que lhe receberia.
Uma lágrima silenciosa rolou por seu rosto e respingou no tronco da frondosa árvore. Várias outras seguiram a primeira e rolaram silenciosas árvore abaixo. De onde a primeira lágrima tocou quando caiu começou a brotar um novo galho, que cresceu com velocidade espantosa, alimentado pelas lágrimas da elfa, em direção a seu rosto. As folhas que cresceram em sua ponta formavam a silhueta de uma mão em cuja palma havia uma noz de avelã.
As folhas roçaram o rosto de Fraëa e ela riu, sentindo cócegas. Ao estender a mão para afastar o galho, sentiu a noz presa nele. Ela a colheu e prendeu o galho em outro galho próximo. Distraidamente, abriu a noz de avelã com os dentes e a comeu. Quando as lágrimas cessaram, continuou ditando histórias para a pena mágica, mas algo lhe chamou a atenção.
Agora, ela ouvia ainda mais nitidamente o arranhar da ponta da pena no grosso volume que era seu arquivo de histórias, e, voltando o rosto na direção do som, ela conseguia discernir os contornos da pena vagamente, mas não os do livro. Intrigada, ela parou de ditar e, após a pena terminar de escrever a última palavra, ela não conseguia mais dizer onde a pena estava exatamente sem tatear.
Voltando o rosto para cima, ela conseguia discernir as folhas farfalhando umas contra as outras ao vento. Quando a brisa parava por algum momento, ela deixava de percebê-las, retornando a percebê-las quando a brisa recomeçava.
Seu coração estava acelerado no peito e ela mal conseguia pensar. Começou, então, a murmurar uma melodia que a fazia lembrar-se de sua infância. Imediatamente, os contornos das coisas ao seu redor foram ficando nítidos e ela começou a enxergar, ainda que precariamente, os galhos onde estava sentada, o livro onde sua pena repousava, as folhas e avelãs ao seu redor.
Ela, então, passou a cantar mais alto, entoando uma melodia grave e agitada. As formas que estavam mais longe dela começaram a ser discerníveis e logo em breve ela estava cantando a plenos pulmões, tentando descobrir até onde ela poderia "enxergar".
Voltou, então, correndo para a vila e bateu desesperada na porta de Emel. Emel atendeu intrigada. O que seria tão urgente para tirá-la de seus estudos com tanta pressa?
Fraëa lhe disse, então
- Siga-me! Rápido!
E saiu correndo em direção à floresta. Emel gritava para ela não correr tão rápido senão ela ia tropeçar e se machucar. Fraëa nem lhe deu ouvidos e continuou correndo e rindo, correndo e cantarolando, feito uma criança.
Emel já estava esbaforida, mas estava também surpresa. O caminho até a floresta não era dos mais planos e dos menos acidentados, fazia várias curvas e tinha algumas pedras, algumas raízes de grandes árvores no caminho, e Fraëa não tinha sequer esbarrado em nenhum obstáculo. Pelo contrário, ela os saltava e evitava com a maior graciosidade.
Chegando à margem da floresta, Emel observava, incrédula, Fraëa saltitar por cima de raízes e por baixo de galhos, se abaixar bem a tempo de evitar bater a cabeça em um galho enorme e espinhoso, saltar por cima de um buraco ao mesmo tempo em que desviava de um trecho de urtiga venenosa rasteira.
Fraëa só parou quando chegou próxima à Aveleira Sagrada. Sua intenção, originalmente, era mostrar a Emel o galho que havia crescido ao seu lado, mas ela estava tão estupefata quanto a Druida.
Em baixo e ao redor da Aveleira havia um pequeno lago onde poucos minutos antes não havia nada. Outro druida que estava ali antes delas chegarem se aproximou delas e disse que viu o que aconteceu, mas que elas provavelmente não iriam acreditar.
Ansiosas e curiosas, as duas lhe disseram para deixar os preconceitos de lado e contar duma vez o que havia acontecido. Ele, então, narrou como havia chegado até ali, atraído pela bela voz de Fraëa. Ele ficou quieto, observando a elfa sussurrar uma canção muito bela, enquanto suas lágrimas escorriam pelo tronco e se acumulavam no chão, na base da árvore. Ele viu quando Fraëa saiu correndo de volta para a cidade e, mais do que isso, viu a poça de lágrimas se espalhar e ir aumentando cada vez mais, até atingir o presente tamanho.
As duas estavam assombradas com a história do elfo, mas Fraëa estava ainda mais. Emel se aproximou do lago e notou que ele era relativamente raso. Um espelho d'água. Ela entoou alguns cânticos e disse, surpresa:
- A água é pura.
Ela então agradeceu a Corellon e a Obad-Hai pela bênção e passou levemente os dedos pela superfície da água, fazendo com que pequenas rugas se formassem nela. Nisso, ela entrou em transe e ficou um longo tempo tangendo a água com os dedos. Quando ela saiu do transe, ela se virou e disse a Fraëa:
- É um menino e se parece muito com você, embora tenha os olhos do pai. E Kas volta em uma semana. Alegre-se.-Bom dia, queridas crianças... – Saudou Fraëa.
- Já lhes contei como fiquei cega? Pois então, larguem seus instrumentos, hoje a aula será diferente... – E os olhos dos pequenos elfos brilharam de excitação - Muitos de vocês conhecem os Druidas de nossa vila, alguns são até filhos deles, não é mesmo? Pois bem, assim foi comigo também, quando tinha vossa idade...
- Quando eu era apenas uma criança tola, com meus 25, anos de idade, minha tia Emel... Calma crianças, ouçam com atenção. – interrompeu-se Fraëa - Como eu dizia, quando era apenas uma criança, tia Emel sempre dizia, “fique longe das coisas dos Druidas, Druidas não são tão brincalhões como os bardos, que tanto adora, respeite-os, e eles a respeitarão!”
- O que houve? – Perguntam as crianças, levantando-se de excitação.
- Com calma chego lá, sentem-se... Nesta época, eu costumava ouvir AhDul, o Afiado, como vocês o fazem, hoje aqui comigo. – Falou, e as crianças olharam com cara de espanto, AhDul fora o mais encrenqueiro e desbocado Bardo que a vila já vira, até encontrar seu fim, na espada de um taverneiro qualquer - Naquela época nós crianças não tínhamos lições sobre todos os assuntos, escolhíamos um, e o seguíamos. Tia Emel ficou desapontada quando escolhi ser Barda, mas não me criticou, e até disse que tinha uma linda voz.
- Eu tinha também outros tutores, mas me afeiçoara a AhDul. AhDul costumava nos incentivar a fazer o que os outros nos proibiam, dizia-nos que o mundo era dos curiosos. Se soubesse as conseqüências da curiosidade irresponsável, não viveria no escuro.
- Oh! – chocaram-se as crianças.
- Em alguns anos, aprendi a contar histórias e também a cantar, enquanto tocava esta harpa. – E uma harpa de prata surgiu em sua mão esquerda – Nesta época, os anciões acharam por bem que nós, jovens, aprendêssemos também um pouco das outras artes. Nem todos gostaram da idéia, os Druidas são muito fechados, e não gostam de dividir seus segredos. Ensinaram-nos o básico, como sentir o cheiro do vento e prever a chegada da chuva, a cuidar de amigos feridos, até que os curandeiros chegassem, e também como é importante cuidar da floresta e dos seres que nela habitam. Nunca nos ensinavam, porém, coisas mais complexas, ou deixavam que nos aproximássemos da Clareira do Druida.
- Eu gostava das aulas com os Magos, mas eram muito metódicos, preferia os Feiticeiros, que deixavam a vida fluir de modo mais natural. Tive também aulas de Arquearia, que me deixaram em dúvida se queria mesmo cantar e contar, para todo o sempre... Com as espadas nunca me dei bem, mas o básico me foi ensinado. Aprendíamos também com os artesãos, que nos ensinaram a beleza que as coisas podiam ter, com os Clérigos aprendemos sobre os deuses, e a criação das raças e do universo... Ouvíamos, também, histórias sobre outras profissões, umas mais belas, como os Nobres Paladinos que costumavam residir em Bantur, e outras um pouco menos nobres...
- Sempre gostei de aprender, acho que é por isto que gosto de ensinar... Mas, para todos os bons conselhos, sempre tinham as contrapartidas de AhDul. Ele era um Mestre dos contos, não cantava muito bem, mas contava como ninguém. Sempre nos contava histórias fantásticas sobre ladrões, que roubavam, aos poucos, todo o tesouro de Enormes Dragões... Infelizmente, só depois que fiquei cega, é que perguntei a ele o que acontecia depois que eles roubavam o tesouro. Não gostaria de ter o destino deles...
- OH! – Gritaram as crianças.
- FRAËA, VOCÊ AINDA NÃO NOS CONTOU COMO FICOU CEGA! – Gritaram algumas.
- Ora, não sejam apressadas, crianças! – Ralhou a Tutora – Falta pouco, já chego lá...
- Tia Emel já era, naquela época, a Curandeira mais experiente da vila. Eu conhecia alguns outros Druidas, e conhecia o suficiente de seus hábitos, para saber que alguns se dedicavam a cura, alguns aos seus animais, enquanto outros gostavam de virar animais, ou ainda canalizar a magia da terra e alterar a verdade a sua volta.
- Emel é a mais complacente Druida que conheci, deixava seus livros e pertences guardados, mas nunca me impediu de vê-los, tocá-los ou até lê-los. Só existia UM livro que nunca me deixou encostar, disse-me que nele existiam Runas, e que sempre que as visse, deixasse de lado a curiosidade. Seguindo os ensinamentos de AhDul, achava minha tia uma tola. Buscava de todas as formas possíveis descobrir o que significava e, um dia, descobri o significado de uma combinação de Runas.
- Tudo bem, Fräea? – perguntaram as crianças mais atentas. Fraëa havia suspirado, e controlado o choro.
- O que diziam as Runas? – perguntaram as outras crianças.
- Tudo bem, queridos, já devia ter me acostumado com meu passado. – um momento de pausa, e prosseguiu – As Runas diziam “Brilho do Sol, Cegue o Inimigo” – A voz da Elfa era triste, e cheia de emoção e arrependimento, quando duas lagrimas rolaram por seu rosto. – E então as Runas Brilharam, e o mundo escureceu. Acordei quatro dias depois, com uma venda nos olhos, e Emel ao meu lado. Estava aflita, e pedi que Emel retirasse a venda de meus olhos, não agüentava mais a escuridão. Percebi que Emel chorava, e me pedia desculpas por ser tão descuidada. Pelos sons descobri que haviam outros no quarto, ou onde quer que eu estivesse. Reconheci algumas vozes, eram os Druidas, eu devia estar na Clareira do Druida. Parei e ouvi, como faria para sempre, daquele momento em diante.
- Alguns diziam: “Como pode deixar o Livro de Runas descuidado, Emel? Crianças não deveriam chegar perto dele! A menina está cega, e nem mesmo você pode curá-la” – Enquanto outros diziam: “Não se preocupe, Emel, acharemos uma cura, a culpa não é sua, a menina sabia que não deveria ler as Runas!”
- Emel se Culpava pelo que havia acontecido, e disse que eu poderia ter morrido. Disse até que não era digna de ser uma curandeira, se expunha a própria família a riscos como este. Percebi o estrago que fiz, e tentei remediar as coisas, disse a ela que a culpa era minha, que as aulas de AhDul me deixaram curiosa. Neste momento, lembro-me do silêncio que se formou na Clareira. A muito os Druidas tinham motivos para não gostar de AhDul, mas agora seus conselhos mal-dados tinham deixado uma criança cega e destruído a honra da Ordem.
- A culpada fui eu, mas os Druidas não viam desta forma. Tentaram expulsar AhDul da vila. Os anciões não permitiram que tal fosse o destino do Bardo. Apenas proibiram-no de ensinar. Era um Bardo, impedido de contar. E como tal, decidiu por si só abandonar a vila. Muitos anos depois, um viajante contou que AhDul fora morto, numa taverna, onde se engraçou com a esposa do taverneiro.
-Alguns dias depois do despertar escuro, eu já estava bem, Emel retirou a venda de meus olhos. Disse que estavam perfeitos (ainda que tivessem mudado de cor. Antes eram verdes, agora tinham um tom de castanho esverdeado, como folhas prestes a cair, no outono), que não haviam deformações. Ao mesmo tempo fiquei aliviada e horrorizada. Se não havia nada de errado, por que não enxergava? Muito tempo se passou, sem que eu tivesse sequer vontade de ouvir, quanto mais de contar. Com o tempo reaprendi a viver e meus ouvidos passaram a ser meus olhos. Voltei a cantar e contar, e por vezes conto esta história, quando acho que abrirá os olhos de alguns.
- Os Druidas até hoje não encontraram uma cura para mim. Mas aprendi uma lição, e vocês sabem qual é?
- Que os druidas são perigosos? – respondeu uma criança, amedrontada.
- Que não deve mexer no que não lhe pertence? – tentou outra.
- A respeitar o que os mais velhos dizem, mesmo que não entendamos? – perguntou outra, com um tom pomposo.
- A não ler coisas em línguas estranhas? – e outras sugestões foram dadas.
- Não – Disse Fraëa, apesar de ter gostado de algumas das respostas – Não, meus queridos, aprendi que o mundo não é dos curiosos, o mundo é dos Sábios. Sejam curiosos, mas sejam sábios e distingam quando a curiosidade é apenas uma vontade, e quando ela é necessária.
Certo dia há uns sessenta e poucos anos, minha tia Emel, conhecida como A Curandeira, voltou de suas andanças contando sobre um pobre casal halfling que não podia ter filhos. Ele, um adepto do templo de Yondalla, ela uma artesã de família nobre, algo neles a fez crer que seu filho seria, de certa forma, predestinado. Contou-me que sua história era sofrida e que resolveu ajudá-los. Ela sabia que se continuassem na cidade, vivendo preocupados em busca do filho, nunca teriam condições de conceber, portanto, calculou quanto valia as posses do casal, e disse a eles que a cura para o seu mal lhes custaria uma moeda de ouro.
Desesperados como estavam, o casal abriu mão de tudo o que tinham, porém, seus motivos não eram nobres, visavam adquirir o patrimônio da família dela. Emel entregou-lhes uma poção, que realmente seria capaz de curar qualquer motivo físico para que Garim não concebesse. Contudo, enquanto não tivessem na vida motivos nobres, Emel sabia que o Pai da Vida não lhes concederia o filho. Muitos anos se passaram, minha tia mantinha um olho junto aos dois, sempre que possível, e demorou alguns anos para acreditar que seus motivos pouco nobres alimentassem uma gestação.
Anos depois, parece que descobriram que ter um filho para ganhar dinheiro era mesquinho, e também que não precisavam disto para ser felizes. Ele curava as pessoas, ela fazia sua arte, ambos encontraram a felicidade em seus trabalhos, e descobriram um belo amor.
Mais ou menos nesta época, Emel decidiu que poderia dar aos pequenos a sua localização. Não teria sido difícil para eles encontrá-la, mas buscavam no local errado, eram meio tolos.
Conheci-os há cerca de 20 anos, eram um belo casal (não no sentido estético, pois não saberia dizer), percebi por suas vozes que eram boas pessoas. Chegaram no outono, e Emel passou um de seus maiores períodos distante da Vila. Fiquei preocupada, mas não havia muito que eu, uma elfa cega pudesse fazer. Durante este período, percebi que o casal estava muito feliz, e foram muito bem recebidos por meu povo. Lhes fizeram uma casa, e depois de quase um ano, no final do outono seguinte, nasceu Kas.
Infelizmente a sorte de Garim e Nom não foi das mais belas, ela não chegou a amamentar, e ele entrou em um estado de tristeza tão profundo, que sequer aproveitou os dois anos em que conviveu com o filho.
Emel, que chegou a tempo de salvar Kas, e dar a Garim um enterro digno, sabia de seu dever para com aquela criança, e decidiu criá-lo como filho. A principio era estranho ter um primo que se desenvolvia tão rápido. Nós elfos viramos adultos aos 110 anos e, aparentemente, aos 17 ele já era um homem feito. Todos diziam que seu porte e sua aparência lembravam os de um elfo, mas isso nunca saberei.
Durante a criação de Kas, em muitos momentos me senti preterida. Minha tia dizia que ele tinha talento, que seria um grande curandeiro. Ela dizia que eu não era muito sábia, por não saber valorar os dons do pequeno (que, dizem, é bem alto para sua raça). Nos tornamos amigos e, por volta de seus 17 anos, nos tornamos mais que isto. Nesta época, incentivado por Emel, ele embrenhou-se no mato, e fez por lá o Ritual da Conexão, não sei explicar exatamente o que é, mas dizem que após beber o chá, os deuses lhe mostram verdades.
Quando retornou, passou a me tratar de forma diferente, era mais meigo e doce do que antes costumara ser. Passou a despender mais tempo ouvindo minhas músicas e poemas. Disse que ficava fascinado com a forma como eu contava uma história, mas acho que era apenas uma forma de me ver sorrir. Dizia que meu sorriso iluminava o dia (estranho, pois todos me diziam que era o olhar dele que o fazia, diziam que tinha olhos e cabelos de sol, assim como me disseram que meus cabelos eram da cor da avelã, e meus olhos da cor das folhas de outono, antes de caírem).
Após o ritual, ele se tornou mais próximo, e ao mesmo tempo mais independente. Dizem que tem a ver com a tatuagem do rosto de Obad-Hai que apareceu em suas costas. Começou a fazer suas viagens para Bantur, e a passar cada vez mais tempo por lá, mas sem nunca passar mais de um mês sem me visitar. O que me tranquilizava era Lobo, que está sempre com ele.
O que me preocupa, é que há mais de um mês ele se foi, com seus novos companheiros de Bantur, atrás dos estranhos rastros que vinham sendo deixados na floresta. Emel me proibiu de sair da vila. Não fosse o escuro em que vivo, me sentiria humilhada, por ser mandada ficar em casa, aos 113 anos de idade.
Pergunto-me se meu pequeno está bem, mas não há nada que possa fazer. Meu coração se aperta a cada pensamento, e minhas músicas e poemas estão cada vez mais tristes e angustiados. Espero ter noticias em breve.
Nota 525 (dia X):
Nunca provei uma cerveja tão gostosa quanto a de hoje. É engraçado como enfrentar peuenos demoninhos faz a gente enxergar a vida de outra maneira. Eles nem me tocaram, mas eu subitamente me peguei pensando que não estou pronto para morrer.
De qualquer jeito, tenho que tentar descobrir mais sobre eles, nunca tinha visto nada igual. Acho que consigo uns livros bons se falar com a Chantal, ela sempre parece saber onde achar as coisas.
Vou lá descobrir se o porco tem um gosto melhor também.
Nota 526 (dia X+1):
Como eu imaginei. Os livros sobre o Abismo são extremamente raros e as poucas informações que eu encontrei são evasivas e contradizentes. Muito pouco se salva. Pena que não consegui entrar na Biblioteca do Castelo...
Se a Chantal não tivesse ido com os outros para a Floresta eu pedeiria alguma ajuda pra ela, mas vou ter que tentar me virar com o que tenho aqui.
O Bob está me chamando, com o Inquieto fora o trabalho cai todo em cima de mim.
Nota 527 (dia X+3):
Certo, em Demônios e Diabos encontrei um beco sem saída. Essa maldita cidade não tem nada sobre eles. Pelo menos achei um livro legal sobre armaduras
Nota 528 (dia X+3, horas depois):
Tive que terminar a última abruptamente, explodiu uma briga no bar e o Bob não conseguiu segurar os caras sem quebrar mesas... De qualquer jeito, estava falando sobre o livro de armaduras. Aparentemente um antigo mestre anão, que estudava demônios, também era um entusiasta da arte de confecção de armaduras. Achei fascinante, vou mantê-lo comigo e dar uma lida mais tarde.
Nota 529 (dia X+15):
Dias corridos. O maldito Inquieto saiu e me deixou na mão. O Bob me faz trabalhar dobrado e eu mal tenho tempo para ler ou estudar. Não ajuda o fato que ontem a noite eu ateei fogo ao telhado sem querer.
Pelo menos o badin e a Liahra aparecem aqui de vez em quando e a gente dá umas boas risadas.
Chegou uma mensagem do Kas. Estou arrumando minhas coisas de viagem e vamos encontrá-los em Porto Norte. O Bob está uma fera, mas não posso deixar meus amigos na mão. Pode ser a segurança de Bantur em jogo.
Mudaram de opinião no meio da viagem, quando Badin nos demonstrou porque Anões não são conhecidos por suas embarcações. Pelo menos consegui distrair a tripulação com histórias da corte...
Amanhã chegaremos em Porto Norte, espero que não tenhamos problemas.
Nota 532 (dia X+32):
Estamos no mato a 2 dias. Minhas costas doem e minhas pernas reclamam. Não sei como Irina e Kas parecem tão confortáveis. Quero minha casa de volta. A cerveja acabou, a comida é ruim e o tempo todo parece que existe algo espreitando nas sombras.
Releitura dos últimos dias: Chegamos na magnífica cidade de Porto Norte. Só de vê-la, me senti tentado a estudar Arquitetura. Prédios belíssimos. Muito diferente de Bantur.
Encontramos nossos amigos em uma taverna. Se não estivessem com tanta pressa eu teria ido atrás da bela moça que sorriu pra mim. Como sou um cara legal, desisti de uma noite maravilhosa para ir atrás de rastros de demônios. ONDE EU ESTAVA COM A CABEÇA?!
Nota 533 (dia X+34):
Como o destino é irônico. Encontrei a tal moça bonita. Descobrimos que ela é uma bruxa maléfica que comanda os demônios. Seu irmão, provavelmente com ciumes do meu charme, nos mandou para as profundezas da montanha (certo, não sei se foi ele, tenho que pensar melhor nisso).
Depois as coisas ficaram interessantes, caímos em uma câmara circular e tivemos que enfretam milhões de Druergar e Drows. O Inquieto morreu. MORREU! Não conseguimos fazer nada para ajudá-lo e Kas lhe deu um fim decente. Eu nem tive chance de falar nada. E dizer que passei o último mês amaldiçoando-o.
Depois da batalha, andando sem rumo, encontramos uma cidade Drow. A vista era impressionante, devo admitir, mas não era nosso destino planejado. Na tentativa de encontrar um melhor caminho, Badin teve a perna quebrada.
Paramos para acampar e acho que ninguém conseguiu descansar direito. No meio da noite, Irina encontrou um cara coberto de bosta. Hael, um paladino, fugitivo dos Drows. Seguimos seus companheiros e nos deparamos com uma patrulha dos Elfos Negros.
Após um combate rápido e não mais fácil que o anterior, conseguimos extrair informações de um dos inimigos e descobrimos para onde deveríamos ir: através da cidade para túneis do outro lado.
Será difícil, mesmo cobertos com fuligem, e não sei se conseguiremos. Se minha narrativa acabar por aqui é porque algo terrivelmente errado aconteceu.
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P.s.: Escrito em Dracônico.