quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Senhores da Guerra

Éramos 20 homens naquela colina. Apenas 20, e eu rezava para ser suficiente. Estávamos deitados naquela trincheira há pelo menos 3 horas com a chuva molhando nossos rostos. A lona suja de terra que nos cobria era cheia de buracos. Ao longe ouvíamos o tropel de cavalos. Deveria ser o grupo de Hador, o Destemido. Ouvimos a coruja piar 4 vezes e tivemos certeza que era ele. Dentro de alguns instantes meu senhor iria puxar a lona, soltar seu temível grito de guerra e liderar seus melhores guerreiros contra 150 Meio-Orcs espantados.

Æltherac, meu senhor, tinha chegado àquelas terra há apenas dois dias. Chegou pelo mar, depois de 4 anos de exílio. Apenas eu e mais 18 homens o seguiram. Remar aquele navio com metade da tripulação não foi fácil, mas Fharlanghn nos enviou bons ventos. A primeira coisa que ele fez foi invadir o castelo do Rei Lieeam e interromper o Calix*. Ele apontou para o rei e o chamou de idiota. Explicou que os Meio-Orcs não iriam gastar seu tempo contra as muralhas da Capital. Eles iriam cavagar pelo Interior e destruir as vilas, estuprar as mulheres e vender as crianças. Chamou os Arcontes* de velhos preguiçosos e os acusou de preguiçosos acomodados. “Dêem-me 200 guerreiros e nós vamos acabar com o exército deles” – berrou, mas não conseguiu convence-los.

De fato, com 220 homens, meu senhor conseguiria derrotar os quase 1000 meio-orcs que atacavam Bhurdlan. Sem eles, o trabalho seria mais difícil, mas eu tinha total confiança em Æltherac. Nos meus 5 anos de serviço ele nunca havia me desapontado e eu era um homem rico graças à sua generosidade. Nesses 5 anos eu aprendi a amar e entender meu senhor. Eu sabia que a recusa de Lieeam o deixou desapontado, mas o brilho em seus olhos me fez entender que ele tinha outro plano.

Eu estava certo. Meu senhor sabia que Hador estava separado do exército principal. Tinha ido negociar com os anões ao sul e não podia levar uma comitiva maior do que 150 cavaleiros. O novo plano consistia em acabar com esse grupo. Sem a liderança do seu Destemido líder, a horda meio-orc não saberia o que fazer e seria uma presa fácil para o exército do Rei.

Por esse motivo estávamos a 3 horas deitados sob uma lona suja de terra, molhados e com frio. Maleim, o Pequeno, era nosso batedor e foi ele quem emitiu o pio da coruja. O resto de nós apertou o punho das espadas e sacudiu o frio para fora. Éramos a guarda pessoal de Æltherac, um grupo famoso nas distantes Ilhas Plácidas. Naquele lugar, do outro lado do mar nos chamavam de Espectros e nos temiam. Hador em breve saberia porque nos chamavam assim.

A lona caiu e 19 homens surgiram do nada, assustando os cavalos de Hador. Todos nós estávamos vestindo cota de malha, elmo, botas reforçadas com metal. Todos nós portávamos escudos com o símbolo de nosso senhor. Alguns de nós usavam espadas, outros tinham machados e Furtàn usava uma cimitarra. Nossos equipamentos, desde as lâminas até as tiras que prendiam nossas calças eram brancos. O único que vestia negro era Maleim, devido sua posição como batedor.

Como um só nós avançamos. O movimento enraizado em nossa mente, depois de dias e noites de treino e milhões de combates. Éramos apenas 20, mas éramos Senhores da Guerra. Guerreiros endurecidos por incontáveis batalhas. Amigos unidos por laços mais poderoso que família, credo ou raça. Éramos os enviados da Morte e estávamos ali para fazer nosso trabalho profano.
Para crédito de Hador, ele era corajoso e inteligente. Enquanto avançamos, ele mandou que metade do seu grupo apeasse e a outra metade continuou galopando. Cavalos se assustam fácil e não conseguem enfrentar uma barreira de madeira e metal. Seu plano era receber nossa carga com metade de seus homens e, enquanto estivéssemos ocupados, seus cavaleiros nos pegariam por trás. Estávamos preparados, nossa carga se modificou: alguns de nós corremos mais rápido e aqueles nos flancos diminuíram a velocidade. Atingimos a formação de Hador em formato de cunha e nos embrenhamos entre seus homes.

Pode parecer fácil, mas uma tática como essa não pode ser feita pela maioria dos guerreiros. É preciso velocidade, força e ousadia, muito mais de cada uma do que a maioria dos homens tem. Meu senhor e Urthanc (um anão) guardam as espadas enquanto correm e usam o escudo com duas mãos. O escudo deles é especialmente reforçado com uma camada de chumbo e somente eles conseguem usa-los. E o usam bem. Com o impacto do golpe eles rompem a parede de escudos do inimigo. Quase imediatamente dois homens de cada lado deles usam seus machados para atacar os homens desequilibrados e impedir que eles ataquem os Perfuradores. Depois o resto de nós usa o ímpeto da carga e alarga a brecha. Éramos apenas 19 homens e tínhamos acabado de entrar no meio de 70 meio-orcs furiosos (5 deles não resistiram às machadadas). Então a batalha realmente começou.

Eu gostaria de poder descrever melhor essa parte, mas não há como descrever uma luta. É apenas um borrão de espadas, sangue, escudos, cuspe e xingamentos. Lembro de aparar uma lança em meu escudo e de usar a minha espada longa para furar a garganta do meio-orc que atacava o elfo ao meu lado. Lembro de berrar o nome Kord enquanto cortava os tendões de outro inimigo e de meu senhor senhor largando o escudo e distribuindo a morte com suas duas espadas largas. Não lembro direito do resto. Éramos 19 homens e lutávamos contra 70 meio-orcs. Estávamos protegidos de sua cavalaria, pois estávamos cercados por inimigos. Nosso movimento surpreendeu o inimigo e muitos deles foram mortos nos primeiros segundos, mas éramos poucos e eles logo se organizaram.

Eles tinham experiência. Deviam estar realizando saques desde que aprenderam a segurar uma arma, pois essa é a vida meio-orc. Foram pegos de surpresa pela ousadia de nosso golpe, mas Hador os liderava bem. Houve um momento de calma enquanto eles se preparavam para o contra-ataque. Nosso grupo formou um círculo. Os escudos foram levantados e os corpos dos meio-orcs mortos formou uma precária barricada. Hador berrou para que seus cavaleiros se preparassem e nós esperamos.

Ele era um comandante esperto. Nunca tinha visto a nossa manobra, ou acho que não, mas soube seu objetivo assim que nos fechamos em círculo. Com uma palavra de comando seus guerreiros nos atacaram, chocaram-se em onda contra nossa parede de escudos e depois abriram espaço. Sua cavalaria estava vindo a toda velocidade e nós estávamos desorganizados pelo seu pequeno ataque. Éramos uma presa fácil.

Mas nosso senhor não era apenas esperto, ele era brilhante. Quando os cavalos estavam a poucos passos, o chão pegou fogo. Maleim ainda estava nas árvores e, com uma flecha bem mirada, incendiou a pólvora que havíamos espalhado em torno daquela área. Em instantes a investida compacta de cavalos era uma massa de carne se retorcendo no chão. A explosão da pólvora não causou muitos danos (naquela época nós não sabíamos como comprimi-la para fazer uma arma mortal), mas os cavalos se assustaram e esbarraram uns nos outros, derrubando os cavaleiros. Alguns dos guerreiros a pé estavam com as vestes em chamas e rolavam no chão para apagá-las. Novamente atacamos como um só. Investimos contra os inimigos caídos e nossas lâminas cantavam enquanto decepávamos membros e desviávamos de coices. Atravessamos o mar de cavalos e matamos mais da metade dos homens caídos. Os que sobraram estavam muito debilitados ou presos sob os próprios cavalos.

Mas a ameaça ainda era grande. Continuávamos em desvantagem de 3 para 1 e dessa vez Hador não cometeu erros. Juntou seus homens, chamou os cavaleiros que conseguiram escapar do fogo e mandou que desmontassem. Vieram juntos, calmos e controlados. Não houve corrida desabalada, não houve arroubos de fúria. Vieram como uma massa de homens e vinham para nos matar.

Nosso senhor olhou para nós e viu 19 homens dispostos a morrer por ele. Até mesmo Maleim estava ali, com suas facas assassinas. Em seus olhos vimos orgulho e amor. Eu beijei meu amuleto de Kord, fiz uma prece para Heironeous e segurei minha espada com força. Estava cansado, não conseguia levantar meu ombro e mancava da perna esquerda. Nem lembrava de ser sofrido aqueles ferimentos. Sabia que poderia morrer a qualquer momento, mas meu único pensamento era deixar Æltherac orgulhoso.

Até agora a batalha tinha sido caos. A adrenalina inundava meu sangue e tudo passou freneticamente. Nessa hora, porém, tudo era calmaria. O mundo ficara silencioso e eu soube que iriam para os planos exteriores com certeza que cumpri minha tarefa. Vi Hador baixar sua espada e 60 meio-orcs correrem em nossa direção. Afastei meus pés para me firmar e então os sons retornaram.

Atrás dos inimigos uma trompa soava. O Rei e sua guarda pessoal vinham a galope em uma carga bem organizada e o inimigo soube que não poderia escapar. Hador, vendo suas esperanças destruídas correu em direção a meu senhor. Estava disposto a matar o homem que atacara seu grupo.

A batalha foi curta. Æltherac gritou para nós abrirmos espaço e recebeu o ímpeto de Hador com suas espadas. Seus movimentos eram graciosos, seus golpes eram firmes. Hador, cego de fúria, não tinha chance contra ele. A força de seus golpes era desviada enquanto meu senhor fazia sua dança da espada e aparava seus golpes com facilidade. Hador abriu apenas uma pequena brecha, mas foi suficiente para Æltherac. Com um golpe ele tirou o equilíbrio do chefe meio-orc e com o seguinte arrancou sua cabeça.

E então o tropel de cavalos nos rodeou e o resto do grupo estava morto. Não perdemos nenhum homem, apesar dos diversos ferimentos. Garamonte nunca mais poderia tocar sua flauta, pois perdera a mão esquerda, e Sávio teve que amputar uma das pernas duas semanas depois. Mas os Espectros haviam salvado Bhurdlan e nada poderia ofuscar aquela glória.





* Calix: É o conselho de batalha do rei. Pelo menos 70% dos Arcontes devem estar presentes.
Arconte: Também conhecido como Lorde ou Arcontancean é um senhor de terras que prestou juramento ao rei. Na época existiam 117 Arcontes em Bhurdlan.

2 comentários:

Miro, O Inquieto disse...

Parabéns Pluck. ÓTIMO conto!

@iGs__ disse...

fantástico.. ja tinha tentado comentar aqui, mas a minha internet tava um C sujo...

agora que consegui, não lembro os comentários que ia fazer, mas lembro de que eram pra enaltecer o seu conto.. parabens.. ;)